domingo, 16 de outubro de 2011

Travessia pedestre da ilha da Madeira 2011

Concluí! Praticamente cem quilómetros, em quatro dias, com 7659 metros de subida acumulada e uns correspondentes 7362 metros de descida para regressar  quase ao nível do mar, já no extremo ocidental da ilha. Foi duro, muito duro. Um verdadeiro exercício de superação para todos os participantes. Uns mais habituados que outros, mas sem dúvida uma experiência de vida exigente e, por isso mesmo, única. Esta travessia já é a décima primeira do clube pés livres e, dentro dos participantes há quem já a tenha feito mais que um punhado de vezes. Para mim, a travessia de ilha foi uma estreia. Não habituado a um ritmo vigoroso e constante, confesso que me ressenti. Num grupo onde me senti "lento", sem tempo para foto-pausas ou outras de caráter mais contemplativo, as paisagens únicas da ilha, sempre imensas, foram desfilando ao ritmo frenético das nossas pernas. E a ilha é imensa. Em tudo! Na orografia, nas paisagens, na vegetação, na história, nas gentes e no clima. Esta radiografia à ilha, que a travessia nos permitiu confirmá-lo in loco. Não, não sonhei, a ilha Madeira é mesmo uma pérola!


Relatos moleskine dos 4 dias

1º Dia | Caniçal - Ribeiro Frio, ~ 28 Km

A estreia na travessia foi um muro difícil de vencer. Começámos no Caniçal, na ponta este da ilha e subimos. Subimos pela crista da ilha, sempre, sempre... Com um ar húmido, pesado e difícil de processar com uma única inspiração, foi duro. Um bafo, uma atmosfera terrivelmente tranquila. Sem uma brisa. Sem uma aragem. Apenas a humidade violenta a sublinhar o calor que deve ter rondados os 30º C! Mas isto, juntamente com a subida e o ritmo de marcha sem tréguas, sempre a andar, à peregrino, foi no limite. Mas a paisagem é incrível. Só não a descrevo mais porque os 28 kms tiveram que fechar com a luz do dia. Foi sempre a andar. Chegámos à Boca do Risco por um trilho exclusivamente desbravado para nós. Não deve ser possível passar aqui sem uma catana, noutra altura qualquer. Aí o Diogo não resistiu e parou "Não consigo respirar!" Como eu percebo... Bom, depois disso foi subir, subir ainda mais. Veredas e levadas, tudo junto. Mais lá para a frente faltou água e o ponto de abastecimento estava inativo. Só na Portela voltou a hidratação. Daí seguimos no PR10 (Portela - Ribeiro Frio). Uma levada, mas mesmo assim, nos primeiros quilómetros a subir. Enfim, no final ficam as vistas de mar e a levada é fantástica- Foi recuperada com 1,6 M€ há pouco tempo. Aqui na casa do Governo Regional jantamos massa com carne e o vinho maduro alentejano "Cave 7" regou os copos. Amanhã há mais....


2º Dia | Ribeiro Frio - Queimadas | ~ 20 km

O dia foi aparentemente tranquilo, na maior parte em levadas. As subidas/descidas suaves e a paisagem exuberante, para a parte norte, sempre bordejada por água. Mas... a mim custou-me muito. E acho que foi a partir do túnel gigantesco, com 2400 metros, que nos demorou quase uma hora a atravessar que me comecei a ressentir. A caminhar em posição de defesa, para evitar que lesões crânio-encefálicas do teto por vezes baixo, fiz um esforço extra nas pernas e "descrobri" o meu tendão de aquiles esquerdo. Uma tendinite, que se foi agravando ao longo do dia e com o chão (regionalismo madeirense para "terreno plano"), duas bolhas no pé contrário agonizaram-me o dia. Por isto tudo, a chegada cedo, por volta das 15:00, à casa abrigo das Queimadas, foi mesmo o reforço físico-emocional que precisava. Agora as levadas, a paisagem, a vegetação, os túneis e o tempo colorido impressionaram. A casa não tem luz elétrica, só petromax. Jantámos umas tradicionais "sopas de trigo". À noite tentámos negociar partida matutina para ver o nascer o sol, mas sem sucesso. Saímos às 8:00 como previsto. 

3º Dia | Queimadas - Paúl da Serra | ~ 21 Km

Este dia foi violentíssimo em termos numéricos: 21 Km, 1851 m de subida e 1507 de descida acumulados! Mesmo assim, foi o que me custou menos. Subimos cedo e muito, logo no início até à Achada do Teixeira e logo, sem parar, até aos 1862 metros do Pico Ruivo. O dia esteve espetacular. A paisagem imensa. O incêndio de agosto de 2010 queimou a serra e a urze centenária que cobria os trilhos. Esta tristeza e frieza só tem a atenuante de compensar com um vislumbre detalhado de toda a orografia desta crista central da ilha. O percurso é fantástico e único. Tanto se vê a costa norte da ilha como o mar a sul. Há ainda a levada do folhadal, depois da Encumeada. É duro, mas sobre-se ao teto da Madeira e as vistas preenchem a alma. O tendão dói só a "caminhar em chão", a subir/descer é tranquilo. As bolhas ficaram perfeitas com os cuidados hospitalares do Diogo. O dia terminou na estrada, depois da subida desbravada na serra depois da levada que foi devorada pelo temporal de 2010. Não fizemos mais uma hora final por decisão de todos. Viemos dormir ao "Jungle Rain" a estalagem do Pico da Urze, aqui no Paúl da Serra. O restaurante é um circo, com gorilas autómatos a gesticular e a emitir os sons selvagens entre outros animais e atmosfera sonora a preencher o cenário exótico desta sala sui generis. Mas bom bom é esta caminha lavadinha e o banho retemperador. O jantar, atum e sopa de peixe, estavam bons!


4º Dia e útlimo dia | Bica da Cana - Ponta do Pargo | 27,3 Km

Para não variar, o dia hoje foi duro. Saímos do hotel e andámos, de carro, para trás, até ao estipulado ponto de partida na Bica da Cana, no início da grande reta do planalto. Sempre por estrada, com o dia mais frio de toda a travessia, com cerca de +9º C mas com muito vento e muito nevoeiro na primeira metade da manhã. Por isso também, nós os três (eu, Diogo e Abel), acelarámos e tomámos a dianteira do grupo até ao hotel, +/- a 6 km da partida. Aí descemos para a levada e continuámos com pequenas abertas, que traziam um calor instantâneo sempre que aconteciam. Fiz 3 bolhas no pé direito, uma logo no calcanhar e desde muito cedo. A tendinite abrandou, mas as bolhas fizeran-me "pisar ovos" durante todo o dia. Na paisagem vimos com detalhe aéreo toda a Calheta. O destino é que não. Sempre resguardado para o final. Continuámos sempre a descer, no ritmo impressionante do costume. Por volta das 14:30 chegámos à povoação da Ponta do Pargo, mas a travessia só ficaria concluída com mais meia hora de caminhada, até ao farol, na extrema oficial da ilha. Já em sofrimento e completamente cheio de jeitos no andar, lá continuo e finalmente lá chegámos ao final da estrada, ao tão desejado destino. Confesso que não senti a habitual euforia da conquista. Antes um alívio imenso por ter conseguido e ter terminado o desafio a que me  tinha proposto. Depois fomos ainda, como pelos vistos é habitual, à casa de um sócio, ao lanche de encerramento. Sopa da avó deliciosa, carnes grelhadas, "semilhas" (batatas) cozidas temperadas, salada, vinho, bolo de mel, bolo de banana e finalmente... discurso do Isidro (presidente do clube) e cerimónia agradável e motivadora de entrega de troféus. Regressámos ao Funchal de bus. O Abel já voou hoje. Eu e o Diogo regressamos ao Porto amanhã às 17:00!









terça-feira, 4 de outubro de 2011

Travessia da ilha

Estou prestes a embarcar na próxima aventura. Amanhã (4.out) vôo para a Madeira, para arranque no dia seguinte, da travessia a pé da ilha da Madeira! Desde o Caniçal, na ponta este, até à Ponta do Pargo, no extremo diametralmente oposto, já na costa oeste da ilha. O desafio é cumprir cerca de 100 km de montanha, serra, costa, levadas e veredas em 4 dias (5 a 8 out). O Clube pés livres é a organização. A expetativa é grande, não fosse a Madeira uma das mais conhecidas capitais mundiais da natureza. E só para comprovar foi uma nossa passagem por lá, em junho de 2010. Dessa altura guardo umas memórias impressionantes das paisagens, das cores e da imponência das ilha. Nessa altura debruçámo-nos sobre a ponta do gato, no extremo de s. lourenço, sentimos o sopro da levada do vento e a frescura das 25 fontes, escalámos o pico grande e fizemos um vaivém entre os picos maiores Areeiro-Ruivo-Areeiro. Uns dias fantásticos, a dois, por toda a ilha, inesquecíveis e que agora recordo, na expetativa de beber as mesmas paisagens, agora na exuberância deste outono.

Memórias de 2010












...será que sonhei?

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Dinamarca 2011

Mesmo num território virgem de montanhas é possível ficar surpreendido. A Dinamarca é um reino, para nós, meio anónimo, com uma família real discreta, um povo que fácil e genericamente catalogamos como nórdicos e um protagonismo internacional discreto, com exceção das caricaturas de 2006... Confesso que para mim, a curiosidade não era grande. A única era mesmo o facto de ser o único dos 4 países nórdicos ainda não visitados. Mas a curiosidade aumentou e muito, assim que comecei a preparar a viagem. Além de tudo o resto que já aprecio nos nórdicos (organização, segurança, respeito pelo coletivo, fraternidade, ordem,...) comecei a descobrir um país com uma obsessão pela qualidade de vida, pela capacidade de transformar a mais simples das ideias em incríveis e úteis objetos do dia a dia. Descobri um país que numa altura de crise, de outrora, mas muito semelhante à que hoje temos aqui, soube reinventar uma indústria (carpintaria) e criar os meus LEGOs. Um país ainda onde, ao contrário do que imaginava, tem uma gastronomia galática, com estrelas Michelin por todo o lado e, onde até a mais banal sanduíche é preparada com os mais cuidados ingredientes e apresentada com todo o cuidado e detalhe. E finalmente um país onde as pessoas já descobriram que não precisam de um carro, precisam é de mobilidade e para isso fazem da bicicleta o seu óbvio meio de transporte.
















Fiquei rendido! Fiquei mesmo rendido à Dinamarca! E mesmo num país onde aparentemente os superlativos não eram evidentes (o ponto mais alto do país, esse tal Himmelbjerg que deu título estes dias a este blog, tem uns meros 170 metros de altitude...), eles estão lá. Discretos, estes superlativos, mas nem por isso, deixam de o ser... O melhor museu que alguma vez visitei até hoje, em Roskilde; a maior taxa de natalidade da Europa e, imagine-se só... "O povo mais feliz do mundo" também é o Dinamarquês! Mas apesar deste último título invejável, ainda assim os 5 milhões de dinamarqueses continuam humildes!! E agora percebo porque é que até o slogan da "melhor cerveja do mundo" tem um destacado "provavelmente" no início. Sim, a Carlsberg também é Dinamarquesa e sim, também estivemos lá!



domingo, 31 de julho de 2011

Pirinéus 2011

Parc Nacional d'Aigüestortes i Estany de Sant Maurici, na fronteira da Ibéria, na Catalunha mesmo no limite com Aragão. Um espanto este reduto da natureza onde as águas revoltas e lagos formados pelo aconchego do granito nos oferecem uma paisagem extasiante. Foi por aqui, na montanha, quase sempre acima dos 2000m que andei, na semana passada, com o grupo de 17 pessoas que o GEMA levou este ano à cordilheira rompida da Jangada de Pedra. Foram 4 dias de pura montanha, em autonomia auxiliada apenas pela guarida e meia pensão de 3 refúgios de montanha, Amitges (2380m), Estany Long (1987m) e Ventosa i Calvell (2220m). Uma mochila com uns constantes 11 Kg fez-me a companhia de guarda costas e protegeu os víveres necessários para resistir às amarguras dos caprichos da montanha. E não foram poucos. Apesar da altitude não incomodar o suficiente, foram os elementos os principais desafios da jornada. A chuva sobretudo. Chouveu, choveu muito. Molhámo-nos e ouvimos sem parar água por todo o lado, no regato, na queda de água, na cascata imensa, a chuva a bater na cara e na roupa impermeável. Um chatice? Não! Um gozo, um gosto. Ver tanta água a fluir neste vital círculo. Assumir como uma dádiva e sentir por uns dias o prazer de caminhar à chuva, único e inesquecível. Mas houve tréguas. Umas abertas reveladoras da paisagem imensa deste parque. Uns raios de sol tímidos, sublinhados por um heptacrómico arco íris. Ùnico! Só visto. Só sentido. Só lá estando. E a sensação de conquista? Vivida dia após dia, pedra após pedra, curva de nível após curva de nível, que justifica só por si o penar do esforço sentido por todos. Um grupo muito simpático, com as inesgotáveis 3 Marias, mais todos nós, com um extra de energia atlântica da Madeira, numa representação dos vigorosos Pés Livres, reforçaram ainda mais estes dias na montanha. Valeu! Gostei! Gosto cada vez mais da montanha e de tudo o que ela desperta em mim. Ali sinto... Sinto-me vivo!


domingo, 22 de maio de 2011

Gosto do novo acordo ortográfico!

Escrever bem e sem erros é um dever de todo e qualquer patriota Português. Se defendemos o país, há que defender a língua. A língua é a identidade de um povo, uma das provas mais nobres da soberania de um Estado, um testemunho vivo do legado histórico dos antepassados, das tradições e costumes. É uma delícia escrever nesta língua, é tão bom expressar o que vai na alma nesta nobre língua herdeira do Latim. Mas e agora? Um acordo tão estranho nos atrapalha os modos e nos tira certezas na retidão da ortografia, sim que no que se fala nada muda, mas na ortografia há algo estranho por aí. E eu gosto. Gosto da mudança, gosto da evolução da nossa língua que só prova que está viva e gosto deste novo desafio. Escrever já hoje com o novo acordo na ponta da esferográfica. Mas à parte dos meus pensamentos, partilho um excelente texto com um outro ponto de vista, bem mais otimista e virado para o futuro do que a banal e comum apatia de tantos que resistem às novas regras.


«Quando eu escrevo a palavra ação, por magia ou pirraça, o computador retira automaticamente o c na pretensão de me ensinar a nova grafia. De forma que, aos poucos, sem precisar de ajuda, eu próprio vou tirando as consoantes que, ao que parece, estavam a mais na língua portuguesa. Custa-me despedir-me daquelas letras que tanto fizeram por mim. São muitos anos de convívio. Lembro-me da forma discreta e silenciosa como todos estes cês e pês me acompanharam em tantos textos e livros desde a infância. Na primária, por vezes gritavam ofendidos na caneta vermelha da professora: não te esqueças de mim! Com o tempo, fui-me habituando à sua existência muda, como quem diz, sei que não falas, mas ainda bem que estás aí. E agora as palavras já nem parecem as mesmas. O que é ser proativo? Custa-me admitir que, de um dia para o outro, passei a trabalhar numa redação, que há espetadores nos espetáculos e alguns também nos frangos, que os atores atuam e que, ao segundo ato, eu ato os meus sapatos. Depois há os intrusos, sobretudo o erre, que tornou algumas palavras arrevesadas e arranhadas, como neorrealismo ou autorretrato. Caíram hifenes e entraram erres que andavam errantes. É uma união de facto, para não errar tenho a obrigação de os acolher como se fossem família. Em 'há de' há um divórcio, não vale a pena criar uma linha entre eles, porque já não se entendem. Em veem e leem, por uma questão de fraternidade, os és passaram a ser gémeos, nenhum usa chapéu. E os meses perderam importância e dignidade, não havia motivo para terem privilégios, janeiro, fevereiro, março são tão importantes como peixe, flor, avião. Não sei se estou a ser suscetível, mas sem p algumas palavras são uma autêntica deceção, mas por outro lado é ótimo que já não tenham. As palavras transformam-nos. Como um menino que muda de escola, sei que vou ter saudades, mas é tempo de crescer e encontrar novos amigos. Sei que tudo vai correr bem, espero que a ausência do cê não me faça perder a direção, nem me fracione, nem quero tropeçar em algum objeto abjeto. Porque, verdade seja dita, hoje em dia, não se pode ser atual nem atuante com um cê a atrapalhar.»
Manuel Halpern