domingo, 31 de maio de 2015

Carne e peixe

Um duo que tinha como universal. Como seres omnívoros que somos, a carne e o peixe estariam sempre por perto, nesta ou numa próxima refeição. Mentira. É possível viver, e retirar nutrientes de tanta natureza mais, excluindo por completo carne e peixe, ou mais ainda, proteínas animais de todo. Após a clássica moda do vegeterianismo, convivo hoje com o Mário, porta-voz e seguidor da dieta crudívora. Uma opção pela exclusão integral de carne e do peixe. A ingestão exclusiva de alimentos não cozinhados. Uma opção respeitável. Um louvor máximo à disciplina, esforço e entrega na manutenção do hábito. Carne e peixe para mim são pilares. Os alicerces de bem estar. O prazer de uma refeição magna. Há uns anos, diria carne. A melhor refeição seria carne. Vaca barrosã, arouquesa ou mirandesa. Cabrito. Borrego. Frango. Coelho de casa. Boi, um mal passado naco de boi, numa Sidraria Asturiana. Como sai guloso da brasa aquele Chuletón de buey. Em Trás-os-Montes, na Churrasqueira Veiga, em Carrazeda de Ansiães, comem-se uns grelhados suculentos, posta no ponto, bifes que se cortam com a colher. A melhor posta? Não subscrevo residência oficial. Depende do naco do dia, depende do calor da brasa, depende do apetite. Onde tudo se tem combinado mais vezes é na Lareira, em Mogadouro. O processo ali à vista deve ajudar a ativar as pupilas gustativas. As batatas fritas revoltas e os cogumelos silvestres em época retiram-me desta realidade. Peixe. E o peixe? Aprendi a gostar. Venero e elevo hoje o peixe a alimento superior. Que privilégio a nossa lota, na variedade, na frescura, na abundância. Robalo, dourada, salmão, rodovalho, pescada, salmonete, galo, sardinhas, atum, espada, linguado. Peixe fresco à mesa é refeição maior. Por hábito o sábado tem sido peixe do mercado de Matosinhos. Robalo ou dourada escalada para grelhar ou linguado frito com arroz malandrinho de tomate. Que pitéu. Já não vamos ao restaurante. A logística não o permite. Ainda assim, guardo frescas as memórias do bom peixe, sardinhas sobretudo do Salta o Muro em Matosinhos, da parrilhada de peixe na Casa do Pescador na Afurada e, se a memória não me falha, rodízio de peixe no Zé do peixe assado em Albufeira. Peixe ainda no exotismo do sushi. É moda, sei bem. Provavelmente cansará no futuro. Mas agora gosto imenso. Estabeleceu-se em mim uma gulodice transcontinental pelos preparados roliços da Ásia. Ou ainda nas lascas do sashimi. De salmão, de peixe manteiga, de camarão ou de atum, o meu favorito. E o atum dos açores? E a pescada da África do Sul? E o bacalhau da Noruega? E as anchovas das Astúrias? Tanto mar para pescar. Tanto peixe para saborear. Hoje foi dia de Serralves em Festa. Os cinco mais amigos e milhares mais. Programa matinal certeiro para todos. Almoço piquenique com rissóis de camarão, empadas de carne e presunto. Jantar, rodovalho da Costa Nova, no forno.




sábado, 30 de maio de 2015

Quente e frio

Conversa de algibeira num qualquer elevador. Desbloqueador de conversas para uma circunstância embaraçosa, a ultrapassar esse silêncio desconcertante de um espaço exíguo. Hoje está frio. Hoje está muito calor. Conversas ocas, mas necessárias para ali, naquele momento. Mas o calor e o frio merecem um prestígio maior. No calor reside a energia dos átomos. No frio a sonolência das moléculas. Quente é a alma do poeta, do pintor. Quente é um coração de amor. Como um raio cósmico, o calor do amor atrai e envolve dois, dois seres. Dois é expressão de amor. É condição sinue quo non da paixão. Caloroso e eterno é ainda mais o amor transbordante de um pai, de uma mãe. Um propósito de vida intenso, visceral, que emana uma chama imensa sem cessar. Inexpugnável como o calor do sol. Perene. Sereno mas alerta. Um filho alerta-nos os sentidos e aquece-nos a alma. O frio. O frio não existe. Representa em si apenas a negação do oposto. Frio absoluto aos -273 graus Celsius. A temperatura de mínima energia possível. Longe, muito longe do humanamente suportável. Acima, bem mais acima, definimos o árbitro mais universal entre os dois adjetivos. Zero graus Celsius. A barreira das temperaturas negativas, a libertação da água das amarras do gelo. Por cá, endeusamos o calor. Mexemo-nos com mais vigor e alegria quando o Sol nos castiga a epiderme. Rumamos religiosamente à praia no trimestre de verão. Em Marrocos, na extremidade norte do Sahara, encontrei um dos ambientes mais quentes que me recordo. Um calor asfixiante, seco e sonolento. Um forno gigante onde cabem cidades. Frio. Sinto no frio. Na cultura do frio, uma repulsa coletiva. Uma expressão de indiferença inusitada. Também a tinha. Perdi-a em 2002. Após um ano imerso no frio, na terra do frio. Na Finlândia. Viver e sentir as quatro estações, dia após dia, grau após grau, realça o respeito pelo frio como condição de vida. O génio e engenho do homem em viver e elevar-se no frio, em torno de temperaturas que caem tão fundo como os -31ºC. Não ter frio, rodeado de frio. Viver para a sauna. Moldar espaços à temperatura de conforto. Desfrutar da atmosfera exterior tranquila dos dias nevados, numa obsessão pelo exterior, em todo o ano. Na montanha também se convive e desfruta do frio. Nele se lê a altitude, no frio se revela a personalidade da montanha. Neves eternas. Gelos eternos. Viajar num quebra-gelos foi um expoente máximo dos mínimos. A ousadia da proa a desbravar placas maciças de gelo. Um mar de gelo imenso. Quente ou frio, é uma das brincadeiras favoritas do Tiago.




sexta-feira, 29 de maio de 2015

Cães e gatos

Domésticos são estes seres transformados pelo Homem e lapidados pelo tempo, no caráter e fisionomia. Cães e gatos. Eternos companheiros de afetos. Permanentes na companhia e fidelidade. O cão, manipulado pelo Homem há mais de quinze mil anos, ostenta hoje mais de quatrocentas raças distintas, que permitem oscilar entre os três quilos de um Chihuahua e os oitenta e sete de um Mastiff Alemão. O gato, felino na génese, responde melhor às contingências dos humanos. É mais pequeno, mais portátil, mais próximo dos hábitos higiénicos nossos, em casa, a partir da linha onde se tira os sapatos. Não percebo nada de raças, não vislumbro a pureza de um pedigree. Nem de cães nem de gatos. Tenho um carinho maior por cães. Sinto-os mais possantes, territoriais, cúmplices ou droláticos. Lemo-nos mutuamente no respeito, na rebeldia, no júbilo. Nas raças com que privei, elevo a Serra da Estrela ao pódio. Cão pastor, raça autóctone Portuguesa, senhor de si, responsável, terno para os de dentro, rude e hostil para os de fora. Pelo muito pelo. Olhar de gato das botas. Patarronas de um peluche XXL. Focinho farto.  Unânime será o Labrador. Retriver ou não, não sei. Preto, branco ou castanho, este canino personifica no imaginário coletivo uma simpatia generalizada. Emana um caráter vigoroso contagiante. Não tem inimigos. Para os miúdos, um cão pode ser um potente acelerador de crescimento. Por enquanto o dos outros serve. O Sebastião, abaixo, dos avós, é a referência. Sem cães nem gatos hoje fomos ao Senhor de Matosinhos. Os cinco. Quebra rotina excitante para os três. Quebra cabeças para os pais, para encerrar o dia.





quinta-feira, 28 de maio de 2015

Preto e branco

Uma linguagem binária de expressão minimalista. O preto ou o branco. Só. Não há lugar para meios tons, outras nuances, ou tonalidades. Dois borrões de tinta. Um preto carvão ou um branco neve. Uma redução do espetro visível à simplicidade dos extremos. O branco, a expressão máxima da luz, o preto, a sua ausência. Em modo RGB, os códigos 255-255-255 o branco ou 0-0-0 o preto. Mas a expressão preto e branco é muito mais que isso. Traz-nos imediatamente à memória o purismo da imagem. A memória refrescada dos primeiros registos foto-gráficos. Esses disparos em câmara escura duma pin-hole ou as imagens repletas de grão nas TV's aquários dos nossos queridos anos 70. Descobri que Portugal pintou a televisão a cores só em 1980. Júlio Isidro foi o primeiro apresentador com tez colorida na TV. Apresentador do festival da canção, na eliminatória portuguesa, a partir do teatro S. Luiz. Preto e branco. Uma expressão que por si só nos remete para a fotografia. Fotografia a preto e branco. Uma mania dos puristas, uma nostalgia do passado, ou uma extravagância do olhar? Um encanto intemporal da essência da imagem. Um foco no detalhe dos contornos, na expressão do contraste, na maestria da luz. Nos retratos mergulha-se na alma, na essência do ser humano. O desgaste da pele de um velho, a placidez do rosto de uma criança sublinham-se com um retrato a P&B. Capturo sempre a cores, mas há um um gozo renovado em cada reconversão. A preto e branco o mundo ganha cor. A cor da imaginação.



quarta-feira, 27 de maio de 2015

Cidade e Aldeia

Desperta em mim a vontade de mergulhar no melhor de cada um destes mundos. A cidade cosmopolita, ávida de pressa, imensa de propostas, ruborizada de tanta energia. A aldeia rústica, envolvente de ternura, agreste na envolvente, remota na localização, plena de paz. Sinto-me cosmopolita, no dia a dia sem esforço, pela cidade. O frenesim louco que nos repele, equilibra-se com a conveniência dos serviços, do conforto, da tão nobre e sã convivência entre nós, muitos humanos, condensados nesta prensada parcela territorial da cidade. Não descuro contudo a aldeia. A serenidade dos dias, o relógio biológico das colheitas, a exigência dos bichos, a autonomia do dia a dia. Nasci e vivo hoje no Porto. Vivi a nobre infância em Celorico de Basto. Citando Sepúlveda, nós somos de onde vivemos. Sendo assim, Portuense, residente nesta cidade de dimensão média. Mas de coração, sinto-me Celoricense. Embaixador das Terras de Basto, porta voz da média interioridade. Sim, que este meu Celorico noutra latitude qualquer bem poderia ser incluído no perímetro da metrópole. Sinto e partilho com os amigos de Celorico um orgulho desmesurado pela Terra. Um ímpeto quase infantil de gritar, eu sou de Celorico! Uma ternura pelo Tâmega, pelo Freixieiro, pelo verde vinho, pela Santa Catarina, pela S. Tiago, pelas Camélias, pelo Castelo, pelo Viso, pela zona verde, pela Biblioteca Professor Marcelo de Sousa, pelos formigos, pelo sotaque, pelas gentes. Noutra escala o Porto cidade também é muito meu e agrega um orgulho maior, que aqui também se confunde com o futebol. Ser do Porto é uma expressão plena de caráter. Revela a ousadia de negar a capital. De sublinhar o esforço diário que uma segunda cidade tem, na afirmação, convição e tenacidade em afirmar-se de si. Mas a cidade e a aldeia são muito bem mais uma metáfora global do que esta minha personificação entre Porto e Celorico. A cidade é o mundo, a aldeia o lar. Eça de Queirós tem um relato incrível de ambas no romance "A cidade e as Serras", que li, já nem sei quando. Mais recentemente tropecei em Walden "A vida nos bosques" que está na pilha para ler. Mas uma das mais eloquentes expressões entre a cidade e o campo está n' "A Caverna" de Saramago. Na cidade ou na aldeia, onde me sinto melhor? Depende. Ontem na aldeia. Hoje na cidade. Amanhã será tão bom poder optar.



terça-feira, 26 de maio de 2015

Noite e dia

Um compasso musical que nos guia e conduz ao longo da vida. É bom o dia, desde o raiar do sol da manhã até ao raio verde do pôr do sol. Ouvir o sussurar da natureza pela madrugrada fresca, logo logo excitado pela energia contagiante do sol que veste os dias. Sentir na pele a cor e o calor que nos transformam. Cheirar o aroma colorido das flores que se deixam embelezar pela fotosíntese. Mas para nós pais, o dia é sobretudo o par de horas onde partilhamos os momentos de cumplicidade com os filhos, a metade onde pomos tudo de nós na esperança de um ser completo. Durante o dia respira-se, transpira-se e eleva-se o ser. A noite encerra em si a penumbra, o mistério de toda a nossa imaginação, ampliada pela ausência de luz. Por si só, podia esvaziar-se na negação do dia. Contudo, trago em mim um carinho enorme pela noite. No levantar da cortina de luz para o deslumbre sem fim do universo infinito. O céu noturno é apoteótico. Um desfilar de estrelas, noite após noite, condimentadas por planetas, luas, meteoros,... Um espetáculo épico mas gratuito (quase) todas as noites, nessa abóbada por cima de si! Mas este pêndulo dia/noite é ainda para nós pais, disciplina. Um exercício constante de sincronizar a energia dos filhos com a rotação do planeta. Alinhar o ciclo circadiano dos filhos com o nosso. O dia e a noite. A existência de um antevê a perspetiva do outro. Vale a pena sonhar de noite, vale a pena viver e vibrar de dia! Hoje o dia foi especial. O feriado municipal de Matosinhos encerrou a creche do Tiago e ficamos os quatro. O pai e os três filhos. Correu bem, muito bem, com uma manhã tranquila no parque da cidade. O Tiago está um craque na bicicleta de equilíbrio.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Sei em mim

Pai. Sou pai de três. A expressão máxima do amor, personificada em si, na existência de todos e cada um destes meus três filhos. Hoje, o Tiago com 3 anos e 9 dias. A Rita e o André com 36 semanas e 5 dias cada um, pois são gémeos. Uma matemática pediátrica que pouco traduz da intensidade dos dias, a dois, a três, a cinco. Inicio hoje um último período de licença de parentalidade, em modo exclusivo, sem a mãe. Agora já em período alargado, pouco frequente e usufruído pela maioria dos pais, por cá. É tempo de mudança, é altura de balanço. A nostalgia da frescura da pele de bebé, dos tenros primeiros dias, dos gémeos, já nos ata a garganta. A inocência tranquila dos primeiros anos do Tiago desvanece-se na reta acelerada dos porquês, num enredo fantasioso que nos surpreende. Começo hoje. Pai. Como se um novo ciclo me desafiasse. Com a Rita e o André. O Tiago, por segurança e manutenção de rotinas permanece na creche, no horário laboral. Cinco semanas, com mais ou menos apoio, mas sempre numa tentativa de conquistar a máxima autonomia, neste duelo desafiante de um para dois ávidos de atenção, ávidos de cuidados higiénico-alimentares. Numa rotina frenética sem pausa, dia e noite, vinte e quatro horas por dia. Pai. É bom ser pai. Sei em mim o propósito da vida. Sei em mim a certeza que ser pai é mais do que um cartão de visita. É sentir e dedicar o esforço da vida aos filhos, olhar o mundo sem dó do corpo que nos assiste. Refletir na rotina sonâmbula da vida a resposta à expressão máxima do amor, viver e estar o máximo contigo e contigo. Estes nossos dois preciosos seres que nos preenchem e elevam a fasquia do amor que o Tiago nos trouxe. O frenesim destes dias pode não me deixar. Mas queria tentar novo desafio, em homenagem aos gémeos. Escrever todos os dias algo, em homenagem e como introspeção pró-memória de um tema auto-positivo. Com o Tiago foi o exercício dos gostos. Agora, atrevo-me a olhar os pares. As combinações complementares de dois sentidos, numa tentativa de entender o fascínio que os gémeos têm em Portugal. A ver se consigo. Hoje correu bem, este sono sincronizado da manhã, deixou.